Eles tinham quinze anos quando tudo começou.
Não foi dessa vez.
O panorama musical era acompanhado por uma banda de reggae, de preferência musicas do Bob Marley, e também Djavan com Linha do Equador escrito em papel de caderno.
Desencontros.
Durante esse tempo era só contradição. A oposição os atraia para os mesmos lugares.
Eles se reencontraram numa ilha, no meio da musica do morto muito louco. Cada um dançava para um lado quando eles se viram e se abraçaram.
Com o corpo quente do sol do dia inteiro, a boca deles fervia. Já tinham dezoito anos. Os corpos se encaixaram e não havia nada que os separassem.
Ilhados numa outra ilha, estreita e comprida, a encanto era tamanho que se temia raios e trovoes que caiam vez em quando la. Um novo ano começava.
A casa era pequena, toda de madeira. Eles compareciam as rodas de musica que aconteciam na única vendinha da ilha, mas se retiravam cedo.
Sem luz e sem velas, era fogo que não se apagava.
O pessoal vinha batendo panelas pela praia. Um código estabelecido sem palavras.
Numa dessas noites quentes eles puderam ver os bichos que não se revelam toda hora, que brotam debaixo da terra.O barulho já estava quase dentro da casa, quando o toco de vela iluminou o quarto que não era só deles. A calcinha molhada estava caída sobre o chão de madeira. Pelas frestas subiram formigas grandes e pretas que bebiam o liquido branco e denso.
Um barco lento e com motor os levou de volta para o porto da cidade. A passagem se deu da noite para o dia, e o vento frio da alvorada trazia a ela uma sensação esquisita. ela disse a ele que tinha medo da morte, que tudo aquilo era forte demais e podia um dia acabar. Ela tinha um tempo de dois anos de sensação interna dentro dela.
Ela já não gostava de ouvir a canção do Jorge Ben " Hoje esta fazendo um ano e meio amor, que eu estive por aqui..."
Ela gostava de por o tempo nas coisas e colocou naquela garrafa de vinagre com ervas em conserva, que comiam com salada e comida aquecida em panelas de barro. Nesses tempos transitavam pelas escolhas doloridas marcadas pelos ritos de passagem para a idade adulta..
A garrafa estava ao fim quando ela trabalhava de garconete e ele tinha que comparecer ao exercito antes de viajarem.
Cercados por mais uma ilha, as palavras de Clarice descreviam tudo o que ela sentia. Ela lia Um sopro de vida. Ele não entendia. Ele acabava de ler Pedro Ruan Guiterrez e estava concentrando na antropologia de Darcy Ribeiro.
Muitas moscas tinham naquela casa, e ela não mais dormia em paz.
Numa manha nublada, o casal de amigos íntimos chegou de trator, com a tempestuosa noticiaa de que o amor não era eterno.
O repertório musical ganhava um sentimento embebido numa tristeza bonita, com o Itamar Assumpcao, Paulinho da Viola com Minha viola vai pro fundo do baú, Geraldo filme com Silencio no Bexiga, Gil com Madalena e o "Moro na roca" para descontrair...
O que trouxe a noticia de que o amor não era eterno cantava:
"Eu já lhe disse que ano quero mais o seu amor
as falsas juras dos seus beijos
me fizeram padecer
não adianta aos meus pés se ajoelhar
pode chorar
pode chorar..."
Continuaram a viagem.
Ela chorava muito sem saber porque. Passava por lugares que já tinha passado antes e antecedia em seu peito a morte. A morte simbolica e a morte eterna. Coisas diferentes.
O futuro breve e sombrio a acompanhava camuflado sob o verão quente da Bahia.
Bahia de todos os santos, Bahia dos orixas. dia de Iemanja ele fez uma oração e foi levar flores para o mar.
O tempo passou. O carnaval foi chuvoso, agoniante e silencioso.
Eles se separaram.
Foi a ultima viagem dela com o seu pai.
Eles terminaram o namoro ouvindo Caetano Veloso em São Paulo.
Um precisava do outro, no entanto eram independentes.
Conversavam no telefone de madrugada, um lia poesias e composicoes próprias, o outro divagava sobre a fenomenologia.
O seu amor
Ame-o
E deixe-o viver.
Ame-o
E deixe-o
Livre para Ser...
Eles já estavam na Universidade.
O caminho deles já era um Y.
Os passos deles eram por territórios próprios, mas nunca completamente separados.
"Na hora da sede você pensa em mim...", um cantava pro outro. Tinha também festa de Exu, e samba de roda.
Ele foi pra Brasília
Ela foi pro Rio de Janeiro, se despedir do pai dela que partia para uma outra vida sem deixar pistas.
Eles foram e voltaram.
Hoje são adultos e estão a oceanos de distancia.
partes de uma musica pulsam dentro deles
" ... mas não deixo
de querer conquistar
uma coisa
qualquer em você,
o que será?"
Corpos e vidas separados.
O amor existe. O amor pode ser eterno se aceitarmos todas as suas transformacoes.
Hoje eh aniversario dele.
Este eh o presente.
A família eh unida e cheia de alegria.
Tem uns que já tem filhos.
O Raul era anarquista.
Os sonhos não desfazem aquilo que o padre falou.
Os sonhos estão dentro de nos.
Sonho que se sonha junto eh realidade.
Eles sonharam juntos.
Sete anos se passaram, e eles são muito jovens e muito lindos.
o amor permeia suas açoes, no sol, na chuva, suor e cerveja.
Hoje ela me disse:
NUNCA DEIXEM DE SONHAR.
QUALQUER MANEIRA DE AMOR VALE A PENA.
...não temos tempo de temer a morte...